Quarentena à brasileira

O presidente, em reunião com seu colegiado, na semana passada, anunciou que estava fazendo o desligamento de um dos principais integrantes da equipe, mesmo contrariando a vontade do Treinador.

Era um processo de fritura que já vinha há meses. Todos sabiam que mais cedo ou mais tarde aconteceria o desfecho agora anunciado. Era inevitável.

Na linguagem do futebol, o profissional a ser afastado era ‘bruxinho’ do Treinador. Os integrantes do alto escalão tentaram dissuadir o presidente, mas sabiam que ele estava determinado a concretizar sua decisão a qualquer custo.

Ao ser informado que seu braço direito, homem de sua total confiança, seria afastado, o Treinador decidiu que abandonaria o trabalho em andamento. Convocou a mídia e anunciou sua saída, aproveitando para atacar o presidente, com quem aparentemente mantinha boa relação.

O presidente, em entrevista coletiva, alegou que o Treinador estava sendo negligente diante de uma série de situações. Exigia que seu subordinado cobrasse do capitão do time medidas mais fortes diante de alguns fatos ocorridos durante a quarentena causada pelo coronavírus, somando-se a problemas da temporada do ano passado.

Na verdade, o presidente, a exemplo de outros que o antecederam, queria ter acesso ao vestiário, insatisfeito com o rumo do trabalho comandado pelo treinador, que, por sua vez, firmou posição contrária.

O Treinador estava fechado com o grupo que o acompanhou numa campanha exitosa e que acabou resultando em sua nomeação como treinador de seleção, atendendo clamor popular. A população via nele uma espécie de salvador da pátria, por sua coragem, competência e postura ética.

Essas qualidades não foram suficientes para mantê-lo na linha de frente da seleção verde-amarela. Faltou-lhe, talvez, mais humildade e tolerância, e sobrou-lhe, sem dúvida, vaidade.

Entre mortos e feridos, quem perde somos todos nós, torcedores e secadores. Mesmo assim, tem gente esfregando as mãos e festejando.

Os dias eram todos iguais

Este seria o título de algo que eu fosse escrever dentro de alguns anos sobre a vida durante a epidemia. Ele resume como me sinto e como estou, perdido nas horas, nos dias, com dificuldade de adaptação a uma vida que escorre pausadamente como areia entre os dedos.

Na semana passada, levei um susto quando me disseram que domingo seria a Páscoa. Ontem, sábado, alguém comentou que terça-feira é feriado. Hoje é domingo, dia de assar uma carne. Mas me passei e comi um risoto (bom demais) feito pela esposa.

Aliás, esses dias de confinamento, de prisão domiciliar sem tornozeleira, serviram para que eu descobrisse, depois de tantos anos, que ela até que é uma pessoa legal. Sério. Posso escrever isso porque ela não costuma ler o blog, rsrsrs.

Na real, eu poderia fazer churrasco todos os dias, se a carne de gado não estivesse custando tão caro. Não tenho nenhum compromisso, além das tarefas diárias como lavar a louça. Poderia tomar uma caipira na hora do almoço, como se domingo fosse.

Outro dia saltei da cama e me vesti às pressas. Colocava o sapato quando minha companheira de cativeiro me perguntou. Vais ao médico? Foi aí que caiu a ficha. Não, eu não ia ao médico. Aliás, ando fugindo deles desde que fiz a cirurgia de ressecção da próstata, dia 26 de novembro (nunca vou esquecer essa data). Não quero que descubram mais nada.

Vesti o abrigo de moleton, meu companheiro mais fiel. Só ando de calça ou bermuda de moletom com camiseta. Poderia doar boa parte das minhas roupas, especialmente as mais formais. Nesse aspecto a vida ficou mais barata, mais simples, como deveria ser e eu me esforço para que seja.

Hoje, meu tempo maior é ocupado em conviver intensamente com meu filho de quatro anos. Cansa? Quem teve filho sabe que cansa, mas sabe também o quanto é gratificante.

Acordo todos os dias em torno de 8 horas, como ele entrando no quarto e chamando os pais sem qualquer cerimônia. Um reizinho. Quer mamadeira, quer desenho na TV ou no celular, e por vai, dando ordens.

Eu e a esposa nos revezamos, mas eu fico a maior parte do tempo com ele. Ela cuida da empresa (@pastadicapri, no instagram). Uma empresa delivery, que vende através do iFood. Comida italiana, especializada em massas e risotos.

Aproveito para fazer esse comercial porque preciso arrumar mais clientes. A crise também nos pegou em cheio. Posso garantir que a comida é muito boa, com preço acessível.

Bem, então eu fico o dia todo às voltas com meu garoto, futuro camisa 10 da seleção brasileira. A escolinha dele está fechada. Eu agora sou a escolinha. Tudo isso para explicar por que fiquei tanto tempo sem escrever. Mais exatamente um mês desde o último artigo, 19 de março.

Sei que poucos perceberam minha ausência. E isso me faz lembrar que de vez em quando alguém pergunta sobre como está o CP. Quer dizer, nem percebeu minha falta. Eu respondo: “Olha, eu saí de lá em 2010, então não sei dizer como está o jornal”. O cara: “Que pena, eu gostava das tuas colunas”, Eu me divirto com essas situações.

Mas tudo isso só pra dizer que os dias, ao menos para mim, têm sido iguais, não muda nada. Não há diferença entre um dia de semana, um feriado ou um domingo. A mesma rotina.

Hoje, escrevo aqui porque consegui conciliar um tempo livre com mais vontade de escrever.

Prometo aparecer mais seguidamente.

Talvez até pra falar de Grêmio, futebol, coronavírus e a Organização Mundial da Saúde, que meteu os pés pelas mãos e se revelou uma entidade mais política do que técnica, ao menos no caso atual. A OMS sai do episódio com sua credibilidade (para dizer o mínimo) tão abalada quanto a de certas empresas de comunicação e certos jornalistas.