Invasão legalizada de espaço público

O Inter já tomou posse oficial de alguns hectares no entorno do Beira-Rio, além de tudo o que havia ganho; avançou sobre o leito do Guaíba; e agora se lança despudoradamente sobre a via pública com a reforma de seu estádio.

A subserviência do poder público é tanta que no trecho em que a cobertura do estádio avança mais a avenida será desviada em quase dois metros.

Nada ilegal, tudo abençoado e legitimado pelas autoridades.

Um pouco de história.

Em 1997, conquistei o segundo lugar no prêmio ARI – merecia o primeiro pela relevância do tema, já que mexia com o patrimônio da cidade – com uma série de matérias sobre o avanço da dupla Gre-Nal sobre áreas públicas.

Descobri, na época, que a prefeitura de Porto Alegre havia se debruçado sobre o assunto. Quem estava no comando da operação era o vice-prefeito José Fortunati.

No dia 13  de janeiro de 97, o Correio do Povo abriu a contracapa com a reportagem, por mim assinada,  com o título:

Prefeitura investiga dupla Gre-Nal.

Resumo: havia dois pontos irregulares no Olímpico. Um na área onde ficavam as piscinas e outro na rótula do Papa. Coisa de algumas dezenas de metros quadrados. Uma migalha perto do prato abundante servido ao Inter.

Declaração de Fortunati, mostrando documentos:

“O Inter recebeu, em duas doações, um total de 14 hectares. Hoje, ocupa 31 hectares, comprovadamente”.

A prefeitura pretendia negociar com o Inter o aproveitamento de pelo menos 4 hectares dos 17 hectares a mais que o clube havia tomado, segundo Fortunati na época, do espaço público.

A ideia era instalar ali um ‘hotel e um centro de compras’.

O que está sendo feito hoje pelo Inter, que há alguns anos foi agraciado pela prefeitura, com aval dos nobres vereadores, com a doação de toda a área.

Tempos depois da minha reportagem, a prefeitura mandou tratores para derrubar um muro que o Inter havia erguido sobre área considerada pública. Um dirigente, já falecido, foi para o local e impediu a ação dos operários do município.

E ficou por isso mesmo. O assunto morreu e só ressuscitou mais de uma década depois com a posse definitiva de toda a área, um espaço nobre que a cidade cedeu para um clube de futebol, sem protesto, sem choro nem vela.

Quando se imaginava que a invasão de área pública terminaria aí, eis que vem agora esse avanço que irá atingir 200 metros da via pública.

Penso que os shoppings da região, com esse precedente monstruoso – o jornal Zero Hora publicou matéria neste sábado tentando caracterizar o fato como algo positivo porque se trata de “uma integração inédita da cidade com um estádio de futebol” –  poderiam reivindicar o mesmo benefício.

Depois de ler a ZH, quase comemorei essa “conquista” para a cidade e seus cidadãos, que terão o “privilégio” de caminhar sob a magnífica estrutura do estádio.

Bem, vamos aguardar qual será a nova conquista territorial do Inter.